Prestes a lançar seu primeiro romance, “Amanhã tardará”, pelo selo Tusquets, o escritor cearense radicado em Curitiba analisa em depoimento exclusivo sua estética literária guiada pelo desejo e a palavra
Em “Coisa amor” (Urutau), primeiro livro de Pedro Jucá, fica evidente o apuro do escritor estreante com a linguagem. Burilar as palavras para alcançar o essencial — “matéria mesma de que se faz a coisa humana”, como aponta o autor.
Jucá desenvolve um projeto literário centrado na investigação dos intrincados caminhos que nos formam como indivíduos; sua ferramenta primordial é a palavra. Nesse percurso, de entrega completa e labuta constante, ele se prepara para o lançamento de seu segundo livro, o primeiro romance, e o que estava implícito como potência alcança novo patamar, tempo de absoluta depuração, com a chegada em breve às livrarias de “Amanhã tardará” (Tusquets).
“‘Amanhã tardará’ é brutal, como é brutal o desejo, na mesma medida que é belíssimo, como é belo o instante exato em que uma criança bambeia e dança os primeiros passos amparados pelos olhares atentos da família. É terno, e talvez seja essa a assinatura do autor. É tenso, porque o desejo pressupõe que o sangue bombeie certas zonas, é universal porque é sobre crescer.”, define a escritora Jeovanna Vieira na quarta capa do livro.
A nosso convite, o autor escreveu um depoimento sobre o livro, seu projeto e aspirações literárias. Confira:
Por Pedro Jucá
“Amanhã tardará” (Tusquets) é meu romance de estreia. Desde que a primeira frase foi escrita — “A última parte da viagem até a casa de minha infância eu teria de trilhar a pé” —, uns quatro anos se passaram. Quatro anos e ao menos uma dezena de revisões integrais, muito trabalho, choro e ranger de dentes, num regime duro de escrita, em que me obriguei, por quase um ano e meio, a escrever de domingo a domingo, fosse chuva ou sol (mais chuva do que sol, considerando que moro em Curitiba).
O romance, um romance de formação, é fruto da investigação sobre duas obsessões minhas: o desejo e a palavra (que, sob certa ótica, poderiam muito bem ser uma coisa só).
Quanto à primeira obsessão, a história fala de infância, de trauma, de corpo, de tempo, matéria mesma de que se faz a coisa humana. Aborda como as marcas indeléveis das experiências da primeira infância vão pautar cada um de nossos comportamentos ao longo da vida, muitas vezes à revelia da vontade consciente. Acompanha três décadas da vida de Marcelo, o narrador, e Inês, sua irmã, que, depois de anos apartados, são forçados a se reencontrar por ocasião da doença terminal do pai. Fala também de família, amor e ódio, morte e vida, perdão e vingança, crueldade e clemência, fim e começo — tudo o que convive contraditória e simultaneamente em cada uma de nossas relações.
Quanto à segunda fixação, a palavra, o romance resulta de um burilado longo, sofrido, em que tive que aprender a deixar partir muito do imbricado textual em que eu adoro me enroscar (e enrascar), a fim de permitir que a história, a sucessão de fatos, saltasse para o primeiro plano. A ideia era que o texto conduzisse quem o lê, não que ele se interpusesse entre o leitor e a história. O natural é que meu texto (assim como meu pensamento) saia tortuoso e barroco. O trabalho maior foi, portanto, o de passar o rolo compressor sobre frases íngremes, aplanar o terreno do ritmo, arrancar raízes lexicais que poderiam fazer o leitor tropeçar. Foi um processo difícil, mas interessantíssimo.
Experimentar com a palavra me encanta. Deixar ir dói, mas faz crescer. Os primeiros esboços do romance tinham um texto exuberante, carregado. A versão definitiva sai com um texto mais fluido, discreto, quase taciturno. Acho que casou bem com a voz que quis conferir ao Marcelo.
O romance está em pré-venda e até início de agosto chega a todas as livrarias do país, além das plataformas virtuais. Pretendo lançar presencialmente em algumas cidades, vamos ver o que sai do papel. O lançamento marca o início da repaginação do selo Tusquets Editores no Brasil. Vem aí uma cara nova, com uma série de autores nacionais incríveis. E meu livro é o pioneiro. Estou animado e ansioso. Haja meditação e aeróbico para driblar a ansiedade. Mal vejo a hora de começar a receber as primeiras impressões dos leitores, porque a gente escreve mesmo é para ser lido.