Por Stella Maris Rezende – março de 2023
Desde a infância fui chamada de poeta pelos professores, que constatavam em mim a paixão pelas palavras, o fascínio pelo som e pelos múltiplos significados que uma única palavra pode ter. Aos dezenove anos, publiquei os primeiros poemas no Correio Braziliense. Aos vinte e seis, venci concursos de poesia em Brasília e, no início da década de 1980, publiquei em edição independente o primeiro livro de poemas, “Temporã”, ganhador de um prêmio da UBE, União Brasileira de Escritores.
Em 1979 eu publicara “Dentro das lamparinas”, uma coletânea de contos, em que as últimas páginas continham poemas. A ficção passou a ser o foco principal, mas o sonho de publicar um livro de poemas, por uma grande editora, persistiu. Nos primeiros meses da pandemia do coronavírus, reli o “Temporã” e comecei a fazer intertextualidades com ele. Eram dias e noites de medo de um vírus terrível. Era um mundo assustador. Ao imaginar as pessoas dentro de casa, tendo as janelas como único cenário externo, os sons e os significados de urgentes palavras foram trazendo a chave da casa, que me fizeram atinar que a poesia era a casa propriamente dita. Só precisei me deixar levar pela imaginação, pela memória de infância e juventude, por todas as palavras que desafiassem medos, mentiras e injustiças sociais.
O mundo inteiro estava assustado, mas no Brasil havia um desgoverno com pulsão de morte, uma atmosfera sombria de fascismo e retrocessos, uma negação do conhecimento, da ciência, da arte, da poesia. Enquanto as palavras iam construindo a casa, eu tive toda a paciência necessária. Escrevi e reescrevi inúmeras vezes. Alguns versos do livro “Temporã”, palavras e silêncios de alma ora infantil, ora juvenil, teimaram em fazer parte da casa, eram cimento, areia e ferragem. A realidade, o sonho e a imaginação se entrelaçaram, tijolos e telhas. Era a linguagem da poesia se impondo: o ritmo, a musicalidade, a síntese, o inaudito, o subentendido, a metáfora, a elipse, a mágica da poesia. Só a poesia podia nos salvar da angústia e da tristeza por tantas mortes que poderiam ter sido evitadas. E a casa da poesia não está apenas no poema, eu sei. Minha ficção é poética.
No entanto, ao retomar o trabalho com o poema, e ter a “maravilhitude” de publicar o livro pela Editora Melhoramentos, eu abro a porta da nossa primeira casa, a casa mais bonita de todas, a casa da humanidade inteira, a casa que acolhe e instiga, estende e puxa o tapete, expõe e quebra xícaras, encanta e faz pensar: a casa da poesia.